Marshall Rosemberg ao criar a CNV trouxe um conceito interessante sobre os sentimentos. Disse que o outro ou os eventos da vida, podem ser um estímulo, mas a responsabilidade é de cada pessoa de como vai significar aquele estímulo e de como vai sentir. Isso conversa com um provérbio Zen que diz:
“A inveja, a raiva e os insultos, quando não aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo. ”
Ao trabalharmos com os sentimentos na CNV, muitas vezes, passamos do que chamamos de escravidão emocional, caracterizada pelos sentimentos de culpa, onipotência, vergonha ou um alto nível de exigência, para a libertação emocional. Para fazermos essa transição que, sem dúvida é processual, aprendemos a escolher e nos responsabilizar pelo que fazemos com aquilo que nos acontece.
Que tal pensarmos que podemos ser livres para sentir? Que não estamos fadados a repetir padrões de sentimentos nossos ou culturais e que temos liberdade de fazermos algo diferente com aquilo que nos acontece a cada evento?
Quando penso na palavra responsabilidade, sou imediatamente remetida à palavra liberdade ou autonomia. Penso que a responsabilidade é o preço que pagamos para obtermos a liberdade. Talvez esse seja o processo que fazemos para nos tornar adultos e ganhar autonomia.
A maioria de nós cresceu acreditando que ficamos zangados ou raivosos, por exemplo, por causa do que nos fazem. A raiva sem dúvida é um sentimento vital, necessário e útil. Às vezes somos salvos por ela, pois a raiva nos protege de injustiças e indignidades. E, às vezes, ela nos coloca destrutivos e reativos, desejando vingança. Talvez a confusão que fazemos com nossos sentimentos, quando não os validamos ou quando os atuamos, esteja relacionada com a desconexão destes com nossas necessidades. Cada sentimento aponta para algumas necessidades humanas. Ao criarmos essa conexão, tudo pode ficar mais claro para cada um de nós.
Para ilustrar, podemos pensar num evento em que uma pessoa que está muito cansada, insegura, solitária e excluída de sua comunidade, ataque violentamente e com muita raiva uma segunda pessoa. Se esta segunda pessoa consegue enxergar as necessidades não atendidas da primeira, talvez ela possa calmamente oferecer empatia e não enganchar e tomar para si a tentativa de ataque emocional que veio forte sobre ela.
Tem uma fala de Marshall Rosemberg que pode apoiar nossa reflexão:
“Se você quer ser miserável, ouça a raiva de outra pessoa. Se você quer ficar deprimido, acredite nela. “
Com essa forma de significar as relações, podemos sair da responsabilização e da culpa pelo que o outro nos faz sentir e também pelo que produzimos no outro. Seria sair do “responsável” e passear pelo “responsivo”. Ao invés de agirmos e reagirmos a partir da habitual consciência de julgamento do outro, passamos a agir a partir de uma consciência dos nossos sentimentos e necessidades em relação aos sentimentos e necessidades da outra pessoa. E assim, podemos transformar os momentos de desconexão em oportunidades de estarmos conectados com o outro e abrimos espaço para relações mais empáticas, autênticas e compassivas.
Por Lucia Nabão
Psicóloga, Mediadora de Conflitos e Facilitadora de Processos em Comunicação Não-Violenta
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