Para que as mudanças sociais aconteçam, é útil que trabalhemos com e expressão da não-violência interna e individualmente e, ao mesmo tempo, saibamos identificar as transformações que desejamos realizar no mundo, como nos sistemas de injustiça social e de privilégios pela minoria.
Para uma mudança interna, a demanda é de uma intenção viva e permanente, bem como de uma autoconsciência de nossa violência intrínseca, que precisa ser integrada para ser transcendida. A conexão viva com que estamos sentindo e necessitando pode nos apoiar a encontrar um caminho não-violento e, com benefícios para todos os envolvidos, para o atendimento cuidadoso da vida que pulsa em nós.
Esse é um trajeto de grandes desafios, uma prática diária, que provavelmente, vai permear toda nossa existência. Com essa prática fundamentando nossas vidas, nosso poder pessoal fica fortalecido e ganhamos a chance de espalhar as sementes da não-violência pelo mundo. Talvez, esta prática tenha sido o propósito de vida de grandes e potentes pacifistas da humanidade, tais como Gandhi e Martin Luther King, Jr.
Para promover a mudança no outro, nos grupos, no social e sistêmico, é útil que nossa habilidade empática, de compreender nossos interlocutores esteja amplificada e seja genuína. Muitas das vezes, o exercício é colocarmos de lado por um tempo nosso ponto de vista e postura ética, para podermos ouvir o outro profundamente, ouvir com a intenção de compreender o lugar de fala dele(s).
Quando as pessoas percebem que queremos de qualquer forma muda-las, sem antes ouvi-las e compreende-las, uma resistência à transformação é produzida.
Se estamos lutando por mudanças sociais a favor da inclusão social e da dignidade humana, talvez o que nos apoie é investigar quais as necessidades aquele grupo está buscando atender com suas estratégias “tortas e injustas” e ajudar esse grupo a encontrar outras estratégias mais inclusivas e respeitosas para todos, que atendam suas necessidades.
Socialmente, vivemos estruturas violentas, como o machismo e o patriarcado, sistemas de dominação-submissão impostos pela cultura autocrática. É importante entendermos isso não sob a ótica individual, mas sim estrutural. Compreendendo isso, podemos viabilizar as transformações sociais a partir de uma educação e formação de seres humanos mais empáticos, que valorizem o modelo relacional em que todos ganham e o compartilhamento do poder. Estamos falando do cultivo de novos valores humanos, novas estruturas sociais.
Esse entendimento também pode modificar a produção da “imagem do inimigo”, quando nos vemos diante de pessoas com as quais não concordamos com suas expressões ofensivas. Essa imagem alimenta os sistemas de violência.
Se estamos diante de um homem que agride fisicamente sua filha e sua esposa, nosso desafio seria ir além dos nossos julgamentos condenatórios, acolher e validar nossos sentimentos e necessidades não atendidas com o fato e, buscar um caminho de conexão pela identificação das necessidades que ele estaria tentando atender com essa expressão violenta. Talvez ele esteja em busca de alívio pela pressão social de ser o provedor da família; talvez seja uma tentativa de normalizar um comportamento que esteve presente em sua família de origem; talvez ele busque, de forma trágica, ser reconhecido e considerado como autoridade; ou ainda ele pode estar procurando por ordem e respeito.
No campo da Comunicação Não-Violenta, bem como da Justiça Restaurativa, a ideia de punição como estratégia de formação de caráter ou de educação está ultrapassada. O que se pretende é humanizar as relações, para, por meio de boas conexões ajudar os ofensores a encontrarem estratégias mais respeitosas para com o outro, para atenderem suas necessidades e produzir o bem comum. Esse é um processo de responsabilização sem culpabilização, que investe na produção da cooperação entre seres humanos.
As transformações sociais importantes precisam ser feitas por grupos grandes de pessoas alinhadas com os princípios da autorresponsabilização e da não-violência e, internamente trabalhadas para produzirem com as armas da empatia, conexão e humanização profunda a luta pela dignidade humana.
Por Lucia Nabão
Psicóloga, Mediadora de Conflitos e Facilitadora de Processos em Comunicação Não-Violenta
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